quarta-feira, 20 de abril de 2011

Inovação legislativa do Vaticano favorece padres pedófilos


Através da autorização do Papa Bento XVI, a Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), órgão do Vaticano que sucedeu a Santa Inquisição, publicou em 21/05/2010 a Epístola Graviora Delicta (Atos Graves), que discrimina as espécies de condutas muito graves[1], tanto contra a moral quanto na celebração dos sacramentos católicos, obedecendo exigência de uma norma superior, a Sacramentorum Sanctitatis Tutela[2], criada pelo Papa João Paulo II.

A referida Epístola elenca a pedofilia no rol de condutas muito graves, a qual é tipificada em nosso Código Penal Brasileiro como estupro de vulnerável.  Segundo o procurador do CDF, Monsenhor Charles J. Scicluna,  no período de 2001 a 2010 a jurisdição do Vaticano processou 3.000 de seus oficiais por essa conduta[3].

Digno de nota nessa norma é o ineditismo da prescrição da ação condenatória (expressa no Art. 7º §1º). Até a publicação desta norma, o direito de propor este tipo de ação na jurisdição da Igreja era imprescritível, ou seja, a vítima de pedofilia poderia apresentá-la a qualquer tempo, até o final de sua vida. Com a publicação da Epístola, a vítima tem agora um inédito obstáculo temporal para propor a ação na Igreja, que é o dia em que completa 38 anos de idade. Isto porque a citada norma criou um prazo de 20 anos de prescrição, que é contado a partir da maioridade civil da vítima (18 anos de idade).

Causa estranheza esse tipo de dispositivo legal.

Preliminarmente, comparemos a aplicação da prescrição penal no Direito Canônico e no Direito Penal Brasileiro em face do crime de pedofilia (crime tipificado no Art. 6º §1º alínea 1 da Epístola[4] e  no Art. 217-A  do Código Penal[5], respectivamente). O Código Penal prevê em seu Art. 109 a prescrição de 16 anos para o crime de estupro de vulnerável (vulgarmente denominado pedofilia). O Art. 7º §1º da Epístola prevê prescrição de 20 anos para esse crime[6].

A prescrição da pedofilia no Direito Canônico, quando comparada ao Direito Penal, dá à vítima um prazo de 4 anos a mais para propor ação condenatória. Mas se formos comparar a instituto da prescrição dentro da jurisdição canônica constata-se uma violenta regressão aos direitos da vítima. Como já dito, antes da publicação da Epístola a prescrição penal não existia e, portanto, a vítima poderia apresentar ação até o dia de sua morte. Agora o direito de propor ação prescreve aos 38 anos de idade.

A Epístola atenuou a proteção à vítima por um lado, e trouxe uma vantagem concreta para o padre pedófilo de outro, que é o risco de não ser processado após o prazo prescricional, hipótese que inexistia antes da publicação da citada norma.

O espírito de corporativismo que sobressai desta norma canônica também é visto em outros instrumentos jurídicos empregados pelos advogados da Igreja Católica nos tribunais. Nos EUA, onde boa parte dos crimes de pedofilia são processados, não é raro ver esses advogados acostar nos autos certidão de imunidade diplomática, a fim de afastar a atuação da jurisdição do lugar em que o crime foi consumado.

Ainda na questão processual, é preciso destacar que a pena máxima do Vaticano é a demissão do serviço do oficial da Igreja, e não há previsão de pena restritiva de liberdade, como reclusão ou detenção, como há na Jurisdição pátria.

No mérito, é difícil entender o porquê de se criar a citada prescrição. Se é premissa  do Catolicismo fazer a reforma espiritual, é difícil compreender a razão do Vaticano criar um mecanismo jurídico que favorece seus oficiais, indo de encontro ao sexto mandamento do Decálogo (Guardar castidade nas palavras e nas obras). A prescrição, portanto, contraria o ordenamento canônico, pois fere a ordem divina que é eterna e não prescreve no tempo.

Por tudo que foi exposto, não podemos deixar de nos espantar com a publicação da Epístola Graviora Delicta, que vai de encontro ao conceito mais elementar de Justiça, humana ou divina.




[1]    http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20010518_epistula_graviora%20delicta_lt.html
[2]    http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/motu_proprio/documents/hf_jp-ii_motu-proprio_20020110_sacramentorum-sanctitatis-tutela_po.html
[3]    http://quemtembocavaiaroma.livreforum.com/t701-fiscal-da-santa-se-ilustra-resposta-aos-casos-de-pederastia
[4]                Art. 6º § 1. Os crimes mais graves contra a moral e reservados para o julgamento da Congregação para a Doutrina da Fé são as seguintes:
   1 - Um crime contra o sexto mandamento do Decálogo cometido por um clérigo com um menor de 18 anos. Esse número equivale a diminuir a pessoa que normalmente tem uso da razão;
(N.T – Traduzido  do latim para português pelo Google)
[5]    Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. 
[6]                 Artigo 7 º § 1. Sem prejuízo do direito da Congregação para a Doutrina da Fé, a revogação da exigência de casos individuais, a ação penal relativa aos crimes reservados à Congregação para a Doutrina da Fé é extinta pela prescrição em 20 anos.
   (N.T – Traduzido  do latim para português pelo Google)